“Amanda
costumava ir a biblioteca da cidade todas as manhãs, ela gostava do cheiro dos
livros, do encanto das mesas, das prateleiras e das pessoas que ali
frequentavam” — Esse era um trecho da
manchete que estampava o jornal da capital, que trazia em sua capa a seguinte
frase: “Suicídio o fim de uma vida”.
*****
Algumas
pessoas apontavam para a janela do prédio azul, ainda dava para ver o corpo ali
pendurado, balançando; o vestido da jovem era branco, e mesmo de longe dava
para ver a palidez de sua pele.
—
Coitadinha da menina, dizia dona Maria
Todos ao
redor estavam curiosos, e as pessoas se aglomeravam próximo ao local do incidente,
ninguém esperava que naquela manhã Amanda Kloserman, se enforcaria, na suíte presidencial,
do prédio azul
— Eu já imaginava que isso fosse
acontecer, do jeito que estava indo, era certo que este seria seu fim, assim
falava seu Antônio, porteiro do prédio.
— Cale
a boca Antônio, — gritava dona Alice, vizinha da morta — O senhor não vê
que a mãe da menina está chegando?
Enquanto discutiam e comentavam sobre
o ocorrido, ao longe uma senhora de cabelos brancos, e cabeça baixa se
aproximava do local, era dona Lucinda, mãe de Amanda.
Dona Lucinda, costureira, beirava os
sessenta anos, mas naquela manhã sua expressão, moldava o seu rosto, assim
aparentando ser muito mais velha do que realmente era; enquanto se aproximava
do local, lágrimas caiam do seu rosto, e soluços saiam involuntariamente de
seus lábios, já faziam três dias que Lucinda não via a filha, três dias desde
que lera aquela carta...
*****
Três dias antes
—
Amanda? Telefone para você! Lucinda chamava a filha todas as manhãs quando o
telefone tocava, mas a mesma nunca respondia.
Durante todo o dia, Amanda não saíra
do quarto, nem para o café, nem para o almoço, nem para ver a mãe, conforme as
horas iam se passando, Lucinda ia se preocupando, já faziam dois meses que a
filha estava naquele estado, e ninguém entendia o motivo, uns achavam que era
pelo fim do noivado, outros, acreditavam que era pela morte da tia, mas ninguém
conseguia identificar o que se passava com Amanda, e nem o porquê de sua profunda
tristeza.
Lucinda então sobe as escadas, e se
aproxima do quarto da filha, bate três vezes na porta, mas como Amanda não responde
a mãe então a abre. As janelas estavam fechadas, o quarto estava cheirando a
mofo, e aquela cor deixava o quarto com um ar sombrio, Lucinda chama Amanda e a
mesma não responde, então resolve se aproximar da cama, a qual a filha
encontra-se deitada.
—
Amanda, oi querida! como você está meu bem?
— Eu
estou bem Mãe! Hoje eu pintei três quadros, e escrevi dois poemas, vê mãe? Você
consegue vê-los? Falava Amanda atenta ao olhar da mãe.
Lucinda olhava para onde a filha
apontava e o que via era um caderno velho, cheio de riscos, nada mais que isso.
—
Amanda, vamos levantar um pouco? O dia está tão lindo lá fora, vamos meu amor?
— “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu
mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, só
pro meu, só pro meu amor passar”. Amanda permanecia inerte, apenas cantava
bem baixo, ao passo que lágrimas caíam de seu rosto.
—
Amanda, você precisa sair disso, eu já não sei mais o que fazer, você só chora,
não fala, não sai desse quarto, não toma banho, não diz o que está acontecendo!
Vamos Amanda, fale, me fale o que foi meu amor, me fale...
Lucinda estava descontrolada, já não
sabia o que fazer, enquanto chorava, Amando passou os braços em seu pescoço, e
as pernas em volta de sua cintura, sentando no colo da mãe, Amanda continuava a
cantar, abraça a mãe forte e diz:
—
Calma mãe, vai passar, está tudo bem... tudo vai melhorar eu prometo!
Enquanto a filha dizia essas palavras Lucinda
estranhava, pois há dias a filha não se comunicava com ela, não expressava o
que estava sentindo. O que se passava na cabeça da filha, era só o que queria
saber, apenas isso.
— Mãe,
para mostrar que estou bem vou tomar um banho, trocar de roupa, e vou ir ao shopping
— Amanda sorria
Lucinda
estava cada vez mais desconfiada, o que estava acontecendo, será que a filha
estava melhor? Lucinda não acreditava naquilo, porém fingiu acreditar.
— Está
bem Amanda, vai se arrumar, eu vou dar uma saída e já retorno para te
acompanhar, ok baby?
— Está
bem Mãe, eu espero!
*****
Lucinda apressava o passo, já fazia
meia hora que havia saído de casa, havia dito que voltava logo, com certeza
Amanda já estava pronta, ela sempre gostou de ir as compras, mas a dois meses
não saía para nada, finalmente uma notícia boa...
—
Amanda? Cheguei querida, pode descer, aproveite que estou com o carro da fábrica
aqui... Amanda?
Como era de se esperar,
provavelmente ela havia desistido, era o que Lucinda pensava, ela já não dava
conta da situação. Retirou seus sapatos, foi para seu quarto tomou um banho, e
só então foi falar com a filha, sem cerimônia, chegou e logo abriu a porta do
quarto.
— Baby? Amanda? Amanda ... Dona Lucinda parecia
desesperada.
Já eram 23h e
Amanda não aparecia, a mãe estava visivelmente preocupada, havia até acionado a
polícia, estava pensando o pior, o que Amanda fizera, o que...
Pela manhã
Dona Lucinda levantou-se e foi ao quarto da filha, sentou-se em sua cama, olhou
o seu caderno de desenhos, e no fim das páginas percebeu, não era possível, o
que estava escrito naquele papel, fez dona Lucinda paralisar, seu olhar ficou
fixo nas letras, que ali estavam, e lágrimas caíam de seus olhos, era uma carta
de Amanda.
Olá Mamãe, que saudades estou
sentindo, aqui fora é muito frio, e não tem pão de queijo, imagine só! Ah mamãezinha,
não quero que me traga café amanhã, pois eu vou pôr fim nesse idiota, que não
para de me incomodar, então vou demorar para voltar, sei que deve estar
preocupada, mas eu estou bem, mãezinha eu estou com tanto sono, e tão cansada,
sabe? Essa semana sonhei com o prédio azul, era como se eu flutuasse e bem lá
em baixo tivesse um mar bem azul, como aquele da costa leste, que você me
levava quando criança, no sonho ele era tão bonito, mamãe, mas estou confusa,
pois sou uma idiota, feia e gorda, que ninguém ama, e estou cheia de todos
dizerem: — Ah, como você está bonita Amanda, e que corpo menina! — Todos
mentirosos, pensam que eu não vejo quando eles riem de mim...Sabe mãezinha, eu
não sinto mais meus pés, e já não sinto mais dor, estou bem, agora mãe eu
preciso ir, chegou a hora de acabar com tudo isso, vou dar um mergulho, mas
logo volto, te amo mamãezinha.
Amanda
*****
Três dias depois
Enquanto se aproximava do local, lágrimas caiam do seu rosto,
e soluços saiam involuntariamente de seus lábios, já faziam três dias que
Lucinda não via a filha, três dias desde que lera aquela carta...
Antes de continuar Lucinda parou, olhou para trás, viu as
pessoas ao redor, percebia o desespero no rosto da multidão, espantou-se com o
número de curiosos presente, afinal de contas era apenas mais um corpo que caía
sobre o mar de angústia.
Ao chegar ao prédio viu o corpo da filha pendurado por uma
corda, que segurava seu pescoço, ela vestia um vestido branco, que moldava seu
corpo, seus olhos estavam fechados, e sua boca desenhava-se em um largo sorriso.
Lucinda vira o corpo de Amanda ser retirado, e junto com seu corpo, se foram seus
sonhos, sua alegria, que um dia foi roubada sem que percebesse, lá estava
Amanda enrolada em um pano branco, depois de mergulhar de cabeça no mar de
melancolia que estava abaixo do prédio azul.
FIM